Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba Uncategorized Conhecer para viver: Lutas e resistência das pessoas com doença falciforme

Conhecer para viver: Lutas e resistência das pessoas com doença falciforme


Nossos passos vêm de longe !!! (Jurema Werneck, 2010)

Historicamente, na sociedade brasileira, as pessoas com Doença Falciforme (DF) constroem lutas de enfrentamento do processo de adoecimento que é atravessado por silenciamentos, tensões e desigualdades que reverberam diretamente em suas trajetórias de vida.

Há 12 anos o dia 19 de junho foi institucionalizado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como Dia Mundial de conscientização sobre a Doença Falciforme. Tal institucionalização simboliza a culminação de uma conquista de luta histórica em direção ao debate sobre a Doença Falciforme, o acesso ao conhecimento sobre as especificidades e complexidades da doença, considerando a invisibilidade das questões ligadas a DF. Essa realidade é perpassada por dificuldades a serem cotidianamente enfrentadas pelas pessoas com DF e seus familiares ao longo dos processos de diagnóstico, tratamentos e cuidado.

A Doença Falciforme é a doença genética (de longa duração) e hereditária que mais ataca a população brasileira e tem a maior prevalência na população negra, porém não é uma doença exclusiva da população negra.

A DF provoca deformação nas hemácias, os glóbulos vermelhos do sangue tem seu formato modificado de arredondado para meia lua ou foice. Essas alterações no formato das hemácias gera dificuldade na circulação do oxigênio nos tecidos. A DF desencadeia diversas complicações como fortes dores crônicas (principalmente nas articulações), anemia crônica, amarelidão na parte branca dos olhos, infecções, comprometimentos de alguns órgãos, entre outros problemas.

Nesse sentido, salienta-se sobre a existência de várias formas de DF, o que a caracteriza por diferentes graus de complicações que afetam o desenvolvimento de atividades cotidianas e sociais.

A partir do momento que a DF tem maior prevalência na população negra, estudos mostram que os governos lidam com negligencia, afetando diretamente a articulação de políticas públicas e investimentos voltados para o tratamento, pesquisas, e efetivação de serviços para a população acometida pela doença.

Além de conviver com uma doença genética, as pessoas com DF ainda tem que enfrentar as ausências de políticas públicas, assim como, a falta de efetividade nos atendimentos e o racismo institucional. Tendo em vista que a sociedade brasileira carrega marcas históricas fruto da ideologia racista, torna-se extremamente importante refletir sobre como se estruturam as dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas e seus impactos na vida da população negra. Diante deste cenário, as pessoas com DF enveredam por caminhos de lutas e resistências na busca por tratamentos que possibilitem uma condição digna de vida.

No campo da literatura, diversos pesquisadores, dentre esses: Werneck (2016); Diniz, Guedes (2006); Guedes, Diniz (2017); Correia (2014); Silva (2013); Silva (2016) em seus estudos tem destacado a questão racial como um fator determinante para compreensão dos processos de enfrentamento protagonizado pelas pessoas com DF.

No Brasil existem vários movimentos, associações e organizações em defesa da luta pela dignidade nas condições do tratamento para as pessoas acometidas pela DF, denunciando práticas racistas que circundam a vidas dessas pessoas.

Destaca-se nesse processo o Movimento Negro que traz em suas pautas de luta o desenvolvimento de ações de atenção e promoção à Saúde da População Negra, incluindo, nesse segmento, as demandas das pessoas com DF. Nessa direção, ressalta-se que os avanços nas políticas públicas de saúde voltadas para pessoas com DF no Brasil é um processo interligado com a luta do Movimento Negro.

Nessa luta, conta-se também com a Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (FENAFAL) que atua como controle social buscando e exigindo das instâncias governamentais o cumprimento de ações voltadas para os acometidos. Além de colaborar com orientações e informações sobre como as pessoas podem ter uma qualidade de vida.

Em linhas gerais, é evidente que a vida das pessoas com Doença Falciforme é perpassada múltiplos desafios: entre dores, lutas e resistências. Pessoas que lutam para continuar vivendo, pelo respeito, pela dignidade humana, pela justiça social e pela visibilidade para além da doença. Portanto, é preciso olhar para as pessoas com DF como sujeitos, estes que possuem direitos, sonhos e esperanças.

Seguimos na luta e resistência, desnudando as formas de silenciamentos das pessoas com Doença Falciforme fortalecidas no seio da sociedade brasileira. Assim sendo, defendemos uma sociedade que respeite e valorize a vida da população negra. Precisamos quebrar as correntes do sistema racista que nos oprime, invisibiliza e nos mata cotidianamente.  Por fim, reiteramos a necessidade de conhecer a DF e seus impactos na vida dessas pessoas, pois conhecimento salva vidas!

Referências mencionadas no texto:

CORREIA, Dandara Batista. Racismo institucional: um desafio a se enfrentado na atenção à saúde da população negra com doença falciforme em João Pessoa/PB. 90f. Dissertação. 2014.

DINIZ, Débora; GUEDES, Cristiano. Genética na mídia impressa: a anemia falciforme em questão. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 2006.

DINIZ, Débora; GUEDES, Cristiano. Genética na mídia impressa: a anemia falciforme em questão. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 2006.

WERNECK J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc 2016; 25:535-49.

GUEDES, Cristiano e DINIZ, Débora. Um caso de discriminação Genética: O traço falciforme no Brasil. In: PHYSIS: Ver. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(3):501-520, 2007. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312007000300006>. Acesso em: 15 junho 2020.

SILVA, Ana Claudia Rodrigues. Compartilhando genes e identidade: Orientação genética, raça e políticas de saúde para pessoas com doença e traço falciforme em Pernambuco. Tese (Pós-graduação em Antropologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, 2013.

SILVA, A.K. A Experiência de Viver com Doença Falciforme na Amazônia: Discussões sobre Assistência, Racismo Institucional e Identidade Social no Estado do Pará. 2016.

– Uliana Gomes da Silva. Licenciada em Ciências Sociais – UFPB; Professora de Sociologia; Mestra e Doutoranda em Antropologia (PPGA/UFPB); Pesquisadora do campo da Antropologia da Saúde, especificamente Saúde da População Negra com ênfase na Doença Falciforme e integrante da Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba.

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