A Abayomi acredita que para construir uma sociedade mais equitativa e inclusiva é imperativo reconhecer e corrigir as injustiças históricas cometidas contra a população negra ao longo dos séculos. Para nós, mulheres negras, essa reparação não é apenas uma questão de justiça, mas também uma oportunidade de promover o bem-viver, e uma filosofia que busca o equilíbrio entre o ser individual, a comunidade e o meio onde vivemos. Por isso, iniciamos a jornada do Podpretas PB 2024 refletindo a luta por reparação histórica e bem-viver, assuntos que serão tema da II Marcha das Mulheres Negras, que acontecerá em 2025; e para debater a importância desses temas entrevistamos três mulheres de luta: Alane Reis, Dra. Awo Yaa e Halda Regina.
No primeiro episódio nossa convidada foi Alane Reis, jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), ela também é ativista do Movimento de Mulheres Negras e do Movimento pelo Direito e Democratização da Comunicação e Coordenadora do Programa de Comunicação do Odara – Instituto da Mulher Negra, e idealizadora da Revista Afirmativa – Coletivo de Mídia Negra e Agência de Comunicação e Jornalismo de Causas, onde atua como Coordenadora Executiva e Editora de Conteúdo. Alane Reis falou sobre reparação histórica e como, na visão dela, o movimento feminista negro transcende o debate da mera compensação financeira.
“Reparação não é vingança, nem apenas compensação financeira, é justiça social. É preciso que se entenda que a nossa luta é para o reconhecimento e a correção dos séculos de opressão, discriminação e violência que moldaram as estruturas sociais e econômicas atuais”, destacou. Alane continua dizendo que a reparação não é apenas um gesto simbólico; é um compromisso com a transformação das estruturas que perpetuam a desigualdade racial. “É justiça, e isso ajuda o país a se desenvolver, pois quanto menor o nível de desigualdade dentro de uma nação, maior o índice de desenvolvimento humano, maior é o PIB […]. Essa perspectiva de reparação é uma forma de equilibrar a sociedade”, frisou.
Dentro deste contexto trazido por Alane Reis, concordamos que ao reconhecer e corrigir as injustiças do passado e promover uma visão de mundo baseada no cuidado mútuo e na equidade, a sociedade estaria construindo um futuro mais justo e digno para todos.
Outro assunto que foi pauta do nosso segundo episódio foi sobre a Saúde das Mulheres Negras. De forma mais específica, queríamos entender como a privação do acesso à saúde afeta o nosso bem-viver, entendendo que o conceito de bem-viver para nós, mulheres negras, acrescenta uma dimensão vital à luta por reparação, pois não se limita ao bem-estar individual, mas abrange a qualidade de vida da comunidade como um todo.
Para falar sobre o assunto entrevistamos a Dra. Awo Yaa, mais conhecida nas redes sociais como “médica preta”. Ela é médica de Família e Comunidade e especialista em saúde da população negra. Dra. Awo Yaa, tem um currículo magnífico, é ativista e também atua como palestrante sobre Saúde das Mulheres e Ginecologia Natural, Saúde Sexual e Reprodutiva, Racismo Obstétrico e Violência Obstétrica. Sobre bem-viver e saúde da mulher negra, a nossa “médica preta” explicou que as ações de promoção à saúde das mulheres negras requerem uma abordagem holística que considere não apenas as nossas necessidades materiais, mas também nossas aspirações culturais, espirituais e emocionais, e lamentou que ainda hoje não haja serviços de saúde pública que considere os tratamentos e atendimentos com equidade.
“Precisamos reconhecer que nossa sociedade tem falhas com a população negra desde o período da escravização. O racismo na vida das mulheres negras é interseccional, pois nos alcança em todas as esferas. Mas, infelizmente, não vemos as autoridades, o estado, promover ações e políticas públicas em prol de dirimir as diferenças, ou investindo em profissionais que queiram fazer a diferença e promover saúde com equidade”, lamentou. Dra Awo Yaa lembrou um caso emblemático de uma jovem mulher negra que sofreu violência, para exemplificar como o atendimento médico muitas vezes desumaniza a população negra.
“Em novembro de 2023 uma mulher negra passou por uma cesária e depois do procedimento começou a sentir fortes dores na mão, que em seguida começou a ficar inchada e arroxeada. A mãe e ela foram ignoradas pela equipe médica, que considerou normal por ser uma “mão preta”. Passou dias, e mesmo ela sentindo fortes dores não reconheceram a lesão. Quando, enfim, chamaram o médico vascular tiveram que amputar o braço da jovem pois já não havia mais o que fazer. Ou seja, em pleno 2023, as dores das mulheres negras continuam sendo ignoradas, a mulher negra ainda sendo desumanizada”.
Dra. Awo Yaa considera que apenas profissionais da saúde comprometidos com a luta antirracista possam desempenhar um papel de promoção da equidade e justiça na saúde, pois podem reconhecer e combater as disparidades raciais que afetam o acesso e qualidade dos cuidados médicos. Além disso, podem atuar como aliados na luta contra o racismo estrutural dentro do sistema de saúde.
“A gente não pode mais aceitar um sistema de saúde que mutila mulheres negras, que aniquila a população negra. Precisamos criar estratégias de enfrentamento coletivo e de profissionais comprometidos, que entendam e respeitem a ancestralidade das pessoas negras, a sua genética, a sua história, e que façam saúde de verdade. Eu sou uma médica comprometida!”, frisou.
Em suma, não há como promover o bem-viver das mulheres negras, sem a garantia do acesso à saúde com profissionais que trabalham incansavelmente para que elas tenham acesso a cuidados de saúde justos e adequados.
Fechando o mês com excelência, o assunto foi a expectativa dos Movimentos para a realização da II Marcha das Mulheres Negras e as contribuições promovidas pela I Marcha, realizada em 2015, considerada um marco histórico na luta das mulheres negras pela igualdade de gênero e racial.
Entrevistamos a ativista Halda Regina, professora mestra em Educação, presidente do Instituto da Mulher Negra do Piauí, componente da Coordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste e a Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio, que falou sobre o lançamento da “Il Marcha das Mulheres Negras 2025”. Halda Regina destacou a importância do evento para dar voz e visibilidade às demandas específicas das mulheres negras, que muitas vezes são marginalizadas e invisibilizadas. Ela lembrou da emoção que sentiu em 2015 vendo em Brasília milhares de mulheres negras marchando juntas e reivindicando seus direitos e denunciando o racismo e o sexismo estrutural.
“A Marcha em 2015 sacudiu o país inteiro e revolucionou o Movimento de Mulheres Negras. Depois da Marcha vários Coletivos foram criados em todo Brasil e um documento foi escrito a várias mãos para denunciar os principais problemas que vivemos e quais estratégias poderiam ser criadas para nos garantir direitos”, refletiu.
De acordo com Halda Regina, a Marcha contribuiu para fortalecer a solidariedade entre as mulheres negras e para ampliar o debate sobre as interseccionalidades de gênero, raça e classe. Foi um momento de resistência e empoderamento, que inspirou outras manifestações e impulsionou a luta por justiça social e igualdade de direitos. A Marcha das Mulheres Negras em 2015 foi um lembrete poderoso da importância de se reconhecer e enfrentar as diversas formas de opressão que afetam as mulheres negras, e de se trabalhar coletivamente para construir uma sociedade mais justa e inclusiva.
“Em 2015 as mulheres mostraram a sua capacidade de se movimentar, de provocar em todas as esferas o debate pela luta pelo bem-viver, pela qualidade de vida, cidadania.. Antes de tudo, a Marcha é um momento político, um momento em que nós reafirmamos para o Brasil que estamos constantemente em marcha, atentas. A gente marcha para conquistar espaço nesse país que massacra as mulheres negras”, destacou Halda.
Isso inclui o acesso a oportunidades educacionais e econômicas, o reconhecimento das nossas lideranças e habilidades, e a criação de espaços seguros e inclusivos onde possamos expressar nossa identidade e experiências. E esse ano, o lançamento reforçou a expectativa de ecoar essas vozes ainda com mais força.
“Na próxima Marcha vamos às ruas por reparação e bem-viver. Mais de oitenta organizações em todo país estão mobilizadas, dialogando com os Movimentos, e por isso acreditamos que em 2025 teremos mais de um milhão de mulheres nas ruas. Mulheres de todas as idade, mulheres de terreiro, quilombolas, sindicalistas, ativistas… pra levantar nossas vozes contra as violências, contra o racismo”, finalizou.
São três episódios que nos trazem reflexões importantes, narrados por três ativistas potentes: Halda Regina, Dra Awo Yaa e Alane Reis. O Podpretas Paraíba de março nos traz reflexões profundas sobre a importância da atuação de profissionais de saúde antirracistas para a garantia de um atendimento e tratamento mais humano e o por quê a reparação histórica e o bem-viver são pilares fundamentais para o movimento femininas negro.
Da redação Abayomi PB