Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba Uncategorized “Entre construções e incentivos: a masculinidade hegemônica e a violência contra mulher”

“Entre construções e incentivos: a masculinidade hegemônica e a violência contra mulher”


Por Matheus da Rocha Viana*

Ao abordamos a ideia de uma “masculinidade tóxica”, é necessário que tenhamos noção de onde vem, para onde vão e como se consolidam as performances masculinas que entendemos como tóxicas, e principalmente como seu incentivo alimenta cada vez mais violências de gênero dentro e fora da esfera doméstica. Logo, importante que traga brevemente como se consolidam esses ideais para que fique claro como se propagam e acabam se tornando parte dessas práticas de violência.

Quando falamos de masculinidades (sim, no plural*), estamos falando de um conceito que se forma a partir de um conjunto de comportamentos que são pensados como os “ideais” de como homens devem se comportar em sociedade, e por assim dizer, um conceito que se pretende à hegemonia. Sendo assim, falamos então da masculinidade hegemônica como esse ideal a ser seguido por todos os homens que vão identifica-los socialmente como homens e garantir seus privilégios sociais que foram definidos há anos no Ocidente como garantias dessa coisa de homem/mulher e nada mais. 

Por falar em Ocidente, é importante ressaltar que como a própria ideia de gênero como conhecemos, é uma noção criada e trabalhada na experiência da colonização, o que faz bastante sentido já que noções de superioridade (ou hegemônicas) que foram criadas nessa época estão por aí até hoje e se mantém através de inúmeros mecanismos visíveis e invisíveis na nossa sociedade. Assim então,  como um dia definiram no Ocidente que o branco é superior ao negro, ao indígena e outras etnias (o que não é verdade), definiram também que o homem e suas representações são superiores à pessoas pertencentes a outros gêneros, principalmente mulheres. 

É então que analisando esse conjunto de comportamentos que definem como o homem deve se comportar que entramos na questão da violência. Esse “manual da masculinidade” prevê que ela é só uma: dominante, forte, viril e sexualmente ativa, e principalmente como “defensor” de tudo que ele entende como de sua posse; além de definir sempre o que é seu e aquilo que não é automaticamente está na esfera do feminino e é definido como frágil, fraco, passivo e submisso. 

Quando vemos um presidente da república dizer que sua filha nasceu de uma “fraquejada” e ameaçando agredir uma parlamentar sem que tenha nenhuma responsabilização pelo seu ato, entendemos o que tanto essa masculinidade quer proteger. Há então esse incentivo, a partir de homens, pais e amigos com comportamentos parecidos com o do presidente, de que está tudo bem violentar psicologicamente, fisicamente, emocionalmente e sexualmente alguém submisso a ele para garantir sua posse ou impor sua superioridade, são esses alguns dos comportamentos que serão incentivados como uma manifestação “verdadeiramente” masculina e que serão base para o crescimento da violência de gênero no país.

Tendo dito isso, vemos então que pelos dados, há uma ineficiência em um combate direto dessas violências de gênero, já que mesmo aumentando as denúncias (graças as campanhas, inclusive) isso não parece ser o bastante para que não evoluam para algo maior e aí está um medo também das vítimas fazerem denúncia de suas situações**. Para além dessa questão das denúncias, que passaram de 30 mil só no primeiro semestre de 2022, ainda temos a questão das motivações, que de acordo com a plataforma  “Violência contra as mulheres em dados”, percebemos que no Estado de São Paulo, 66,66% de feminicídios estão ligados ao que se chama de “feminicídio íntimo”, ou seja, praticado por parceiros ou ex-parceiros, tendo suas principais motivações como: não aceitar o término do relacionamento e cíumes/sentimento de posse***. Observando o que já trouxemos aqui sobre esse “manual” da masculinidade hegemônica, não me surpreende.

Portanto, vemos que assim como todo projeto hegemônico, qualquer coisa que ameace sua soberania masculina dentro e fora de casa, é motivo para se justificar uma agressão, pois todos aqueles que são inferiores ao masculino absoluto devem ser forçados à sua submissão. Na minha visão sobre a masculinidade esse é um motivo de vermos tantos crimes relacionados à ideia de ciúme, de atos de “rebeldia” de companheiras amorosas, de rejeições amorosas e até mesmo das desobediências: há para eles a necessidade de reafirmar sua dominância e forçar a submissão de qualquer forma, caso não seja possível, a morte é uma solução.

* Trago isso, pois essa masculinidade hegemônica não necessariamente serve à todos os homens, podendo se manifestar de formas completamente diferentes quando inserimos um debate sobre raça, classe e sexualidade.

**Dado retirado de página oficial do Ministério da Mulher, da família e dos Direitos Humanos: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-eleitoral/brasil-tem-mais-de-31-mil-denuncias-violencia-contra-as-mulheres-no-contexto-de-violencia-domestica-ou-familiar>

***Dados retirados do dossiê presente na plataforma “Violência contra as mulheres em dados”: <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/principal-motivacao-do-feminicidio-e-o-inconformismo-com-a-separacao/>

Matheus da Rocha Viana é bacharel em Antropologia e licenciado em Ciências Sociais pela UnB, membro do NEAN OJU OBÁ atualmente é mestrando em Antropologia Social na UFPB trabalhando com construções de masculinidades, feminilidades e afetos da população preta brasileira. Há anos trabalha com populações Quilombolas na graduação e desde 2017 concentra uma parte de meus estudos em questões de afeto e masculinidades negras.

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